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Estilos de aprendizagem
“Cada pessoa tem um modo de aprendizagem, uma forma própria de processar informação, assimilar um novo conhecimento, conforme as competências e habilidades que possui. Esta maneira pessoal de aprender pode ser identificada pelos estilos de aprendizagem.
No ambiente escolar, o professor pode incluir tecnologias diversificadas em sua prática pedagógica com base na preferência ou estilo de aprendizagem dos alunos, visando identificar potencialidades e a integração entre eles.
Há diferentes teorias sobre as formas e classificações dos estilos de aprendizagem. Neste espaço destacamos as seguintes teorias: o método VARK, o método de Kolb e o método de Honey-Alonso.”
- Trecho (acima) retirado da ‘Escola Digital’ do Governo do Paraná
- Mas também poderia utilizar o documento de 17 páginas, da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) sobre Estilos de Aprendizagem
- Ou ainda da mídia tradicional, como essa matéria do El Pais, na categoria Ciência 😲👀
- Ou sobre qualquer link na PRIMEIRA PÁGINA DO GOOGLE quando se pesquisa “Estilos de Aprendizagem”
Estilos de aprendizagem não existem
O único problema desses links, além do prejuízo para a reputação e a propagação de desinformação, é que Estilos de aprendizagem não existem. E não há qualquer evidência científica que valida sua relevância.
O consenso esmagador entre os estudiosos é que nenhuma evidência científica apóia essa hipótese de “correspondência” de estilos de aprendizagem (KIRSCHNER 2017, PASHLER 2008, SIMMONDS 2014).
Embora todos os alunos possam desenvolver preferências subjetivas para estudar ou digerir o material, os estudos negam que os alunos aprendam melhor por meio de um estilo de aprendizagem autorrelatado. Em vez disso, os estudiosos pedem cada vez mais que os educadores substituam os “neuromitos” — como se dizer multitasker ou que usamos apenas 10% do cérebro — por recursos e estratégias enraizadas em evidências da teoria cognitiva e da aprendizagem de adultos.
Você, ou ninguém é, um “aprendiz visual”.
3 coisas corretas na teoria
- Os alunos são diferentes uns dos outros
- Essas diferenças afetam seu desempenho
- Professores devem levar em conta essas diferenças
Isso é verdade e reconhecido tanto por educadores quanto por cientistas cognitivos. Enquanto muitos de esses cientistas procuram descobrir princípios gerais de aprendizagem, todos reconhecem que existem diferenças entre os alunos. Entender essas diferenças e aplicar esse entendimento em sala de aula pode melhorar o processo educacional de todos.
Algumas das características e diferenças que importam para o aprendizado.
1. As pessoas variam em sua capacidade de aprender áreas de conteúdo
Quer o chamemos de talento, habilidade, ou inteligência.
Uma pessoa com gemêos, apesar de muitas vezes prover na maior parte as mesmas experiências, é comum encontrar que um dos filhos aprendeu a ler mais cedo e o outro é um melhor jogador de futebol.
Isso se deve claramente a diferenças genéticas referências de talento e não sobre uma experiência bizarra em que o os pais decidiram — e ou aplicaram um ‘estilo de aprendizagem específico — que um seria um jogador de futebol e o outro um professor.
Se fosse o caso, seria extremamente previsível e simples, além reproduzível criar o novo Messi, Ronaldo, ou qualquer outro talento exepcional em qualquer área.
2. Muitas vezes interligados com habilidade, os alunos diferem em suas interesses
Se um aluno ama o piano, ou futebol, ou xadrez, ou a biologia, aquele aluno sem dúvida aprenderá material relacionado para esse assunto muito mais rápido do que outro aquele que não compartilha desse gosto.
Todos concordamos que o interesse e atenção são pré-condições de aprendizagem e variam de aluno para aluno, dependendo do assunto.
3. Alunos diferem em suas conhecimento prévio, e essa diferença influencia sua aprendizado
Isso é obviamente verdadeiro, no sentido de que um grande vocabulário permite ler uma variedade maior de livros.
E é ainda mais verdadeiro em campos com correlações, como a história: não se pode esperar aprender muito sobre as causas e consequências da Escravidão, sem saber fatos sobre o crescimento e o processo de Colonização, a história das diferenças econômicas entre as capitanias hereditárias, o clima, a mão de obra e produção econômica, além dos fatos políticos, etc.
Mas o conhecimento prévio também é bastante importante importante em coisas que consideramos habilidades.
Por exemplo em questões lógicas, aprender o básico de matemáticos é fundamental para a aquisição de habilidades matemáticas posteriores e mais complexas.
Finalmente, alguns alunos têm dificuldades específicas de aprendizagem, e estes afetam sua aprendizagem de maneiras específicas. Existem por exemplo, pesquisas consideráveis sobre a dislexia e as estratégias para lidar apropriadamente.
Essas estratégias, é claro, diferem daquelas apropriadas para os alunos no espectro autista ou aqueles com dificuldades auditivas. Em cada um desses casos, uma diferença específica no aluno exige diagnóstico e atenção individual.
Estilos de aprendizagem é o Terraplanismo da Educação
Inúmeras pesquisas concluem consistentemente que, apesar da enorme popularidade na educação, não há evidência sólida de que existam estilos de aprendizagem. Se possuem relevância prática, ainda precisa ser demonstrada cientificamente.
Mesmo assim, não só o Governo do Paraná, o Enap ou inúmeras Entidades e Escolas, mas…
- 76% ~ 90% dos educadores pelo mundo acreditam no mito dos estilos de aprendizagem
- 88% do público em geral acredita em estilo de aprendizagem
Isso é assustador. É uma espécie de terraplanismo da Educação. O próprio documento do Enap (citado acima) admite que:
A teoria dos estilos de aprendizagem é alvo de muitas críticas. A principal delas é a descontextualização do processo de ensino-aprendizagem, devido à ênfase na experiência individual, à custa dos aspectos psicodinâmicos, sociais e institucionais. Além disso, muitos consideram problemático recorrer a instrumentos de diagnóstico autorreferenciados (respondidos pelo próprio sujeito analisado) para identificação dos estilos. E os resultados identificados muitas vezes não passam de rotulagem pura e simples, sem maiores implicações para a prática educacional.
2.9 Fechamento, Enap-Estilos de Aprendizagem, mai/2015 Tweet
Habilidades diferentes, não estilos
As pessoas têm habilidades diferentes, não estilos. Existem tarefas específicas que requerem o uso de uma determinada modalidade, além de muitas técnicas e evidências sobre métodos que melhoram o aprendizado. Mas estilos de aprendizagem não é um deles.
- Muita gente se diz “um aprendiz visual”, querendo dizer “eu tendo a me lembrar muito bem de coisas visuais”. Não é a mesma coisa que ter um estilo de aprendizagem visual.
- “Se tanta gente acredita, deve ser verdade né?” A prova social torna difícil questionar, especialmente sem um conhecimento especial.
- Viés de confirmação ou bom senso. Quando já vemos o mundo de um jeito, adequamos novas experiências nessa visão interpretando aquilo que “encaixa” como evidência.
Essa crença pode ser prejuidicial, propondo falsas suposições sobre as próprias habilidades.
Como falei aqui, A Pesquisadora e Neurocientista Cognitiva Miriam C. Klein-Flügge, e seus colegas da Universidade de Oxford apresentaram em outubro de 2019, uma pesquisa interessante para o campo da Educação, aprendizagem, mecanismos de decisão e recompensa.
Eles concluíram que o conhecimento é armazenado em diferentes circuitos cerebrais e seguem caminhos neurais variados, dependendo de como o aprendemos e adquirimos.
Algumas das descobertas
- As mudanças observadas nas vias neurais associadas à aprendizagem dos participantes, eram diferentes dependendo de como cada pessoa havia aprendido a nova habilidade.
- Nós temos várias redes no cérebro que nos ajudam a armazenar conhecimentos ou associações aprendidas, além de permitir que o cérebro aprenda de maneiras diferentes. Esses múltiplos mecanismos de aprendizado dependem do esforço conjunto de várias redes cerebrais distintas.
- Os danos a uma parte do cérebro ainda deixam mecanismos alternativos disponíveis para o aprendizado.
- Parte do conhecimento aprendido é muito persistente, e o cérebro não esquece mesmo quando ele se torna “irrelevante”.
- O conhecimento adquirido por meio de mecanismos alternativos de aprendizado, em comparação ao aprendizado por reforço, é mais flexível e pode ser mais facilmente se dedobrar em novos conhecimentos.
- As associações de desaprendizagem podem ser mais fáceis quando elas são adquiridas pela observação em comparação ao “aprendizado por reforço”, dirigido a um objetivo (metas).
Nós sabemos que os humanos podem aprender de maneiras diferentes. Às vezes, aprendemos simplesmente observando relacionamentos no mundo, como aprender as ruas de uma cidade nova ou relacionamentos entre pessoas. Mas outra maneira de aprender é estabelecer metas específicas, como crianças aprendendo a brincar por tentativa e erro.
Miriam Klein-Flugge Tweet
Reforçando, as pessoas têm habilidades diferentes, não estilos. Existem tarefas específicas que requerem o uso de uma determinada modalidade, além de muitas técnicas e evidências sobre métodos que melhoram o aprendizado.
Estilos de Aprendizagem Visual, Auditivo Cinestésico
Não se sabe ao certo a origem desse mito, mas a popularidade vem principalmente do “Modelo VARK”. VARK vem de:
- Visual (Visual)
- Auditiva (Auditory)
- Leitura/Escrita (Read/write)
- Cinestésica (Kinesthetic).
Foi criado por Neil Fleming, um inspetor escolar na Nova Zelândia. Fleming não criou o termo ou o conceito de “estilos de aprendizagem”, mas o tornou popular.
Após assistir a 9.000 aulas diferentes, ele diz: “Fiquei intrigado quando observei excelentes professores que não alcançaram alguns alunos e professores pobres que o fizeram. Resolvi tentar resolver esse quebra-cabeça. Há, é claro, muitas razões para o que observei. Mas um tópico que parecia ter alguma magia, algum poder explicativo, foi modos preferidos de aprendizagem.”
Não teve pesquisa, validação ou nada do tipo.
Os 4 estilos de aprendizagem
Segundo o método de Honey-Alonso, elaborado pelo psicólogo Peter Honey e pela doutora em educação Catalina M. Alonso, sugere um ciclo de aprendizagem resultante da interação entre o ambiente, a experiência prévia vivida pelo aprendiz adulto e os conhecimentos construídos individualmente.
A partir destas competências, os autores definiram quatro estilos de aprendizagem:
- Ativo: pessoas com esta preferência de aprendizagem gostam de desafios que possibilitam novas experiências e não gostam de prazos longos. São de mente aberta e entusiasmadas por tarefas novas.
- Reflexivo: estilo de aprendizagem observado em pessoas que gostam de analisar todas as alternativas possíveis antes de tomar uma decisão. Gostam de considerar a experiência e observá-la sob diferentes perspectivas.
- Pragmático: pessoas com este estilo de aprendizagem colocam as ideias em prática. Demonstram impaciência com discussões e pessoas extremamente abstratas. São realistas quando precisam tomar decisões e resolvê-las.
- Teórico: estilos de aprendizagem notado em pessoas que encaram problemas de forma lógica. Gostam de analisar e sintetizar e tendem ao perfeccionismo. São intensas ao pensar sobre princípios, teorias e modelos.
Anos 90 & Teoria das Inteligências Múltiplas
A teoria das inteligências múltiplas é um conceito elaborado pelo psicólogo cognitivo educacional Howard Gardner para descrever como cada ser humano demonstra suas capacidades cognitivas de maneira única.
Para Gardner, cada indivíduo tem habilidades e aptidões únicas e apresenta mais, ou menos, domínio em áreas diferentes do conhecimento. Cada um desses domínios foi definido como um tipo diferente de inteligência que a pessoa pode desenvolver ao longo da vida.
Muita gente cita esses, e outros movimentos Ocidentais da década de 80-90 sobre a “individualidade”, como influentes na popularização da Teoria dos Estilos de Aprendizagem.
Além do chamado “movimento de autoestima” do mesmo período, em que todo mundo era especial – então todos devem ter um estilo de aprendizado especial — como um dos fatores.
Pelo mesmo motivo, também citam a popularização dos testes como Myers-Briggs, como um elemento. Mas eu não conheço evidências concretas e estudos confirmando ou relacionando esses fenômenos. Por isso deixei de fora, mas se você conhece estudos, tem algo para acrescentar, questionar e expandir esse assunto, envie seu texto!
Evidências & Estudos sobre Estilos de Aprendizagem
Logo abaixo, 14 pesquisas (em Inglês), rejeitando a proposta de que Estilos de Aprendizagem existem. Cada título é o link da Pesquisa original.
- Learning Styles as a Myth
- Neuroscience and education: myths and messages
- Exploring the relation between visualizer–verbalizer cognitive styles and performance with visual or verbal learning material
- The Myth of Learning Styles
- Matching learning style to instructional method: Effects on comprehension
- The Scientific Status of Learning Styles Theories
- Is learning styles-based instruction effective? A comprehensive analysis of recent research on learning styles
- Learning Styles: Concepts and Evidence
- Another Nail in the Coffin for Learning Styles? Disparities among Undergraduate Anatomy Students’ Study Strategies, Class Performance, and Reported VARK Learning Styles
- Learning style, judgements of learning, and learning of verbal and visual information
- Matching Learning Style to Instructional Method: Effects on Comprehension
- The Neural Correlates of Visual and Verbal Cognitive Styles
- Dispelling the Myth: Training in Education or Neuroscience Decreases but Does Not Eliminate Beliefs in Neuromyths
- Learning Styles: Where’s the Evidence?
A Boa Aprendizagem
Não é sobre a forma como a informação é apresentada ou sobre a capacidade de repetir — teorias, termos, métodos, práticas. Ela é sobre:
- Promover o profundo questionamento
- Promover significado além do meio
- O que acontece dentro da cabeça de quem aprende, não quem ensina ou o exterior
Quer saber se seu próximo curso, podcast, escola, ou mesmo uma empresa, é um bom ambiente para aprender? Antes, durante ou depois avalie:
- Isso promove acesso a ideias, pessoas, recursos além do meu alcance normal?
- Considera a minha circunstância e individualidade?
- Tem gatilhos e mecanismos de engajamento?
- Tem múltiplos estímulo sensoriais?
- Se conecta com meu conhecimento prévio?
- Apresenta não só o que é bom mas também e o que é ruim de um mesmo tópico?
- Há um espectro de atividades diferentes?
Obrigado pela leitura!
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